O que você tem contra o merchandising social? É mentira dizer que em novela do Aguinaldo Silva não existe merchandising social. Se na minha trama é importante que alguém ande de cadeira de rodas para contar uma história, o personagem vale. Agora se for mostrar um personagem sem perna só para mostrar como é a vida de um cadeirante é forçado. Novela é folhetim, é melodrama, eu faço quando é contextual. Uma vez eu passei na maternidade Leila Diniz às nove da manhã e tinha uma fila enorme de gestantes. 70% eram meninas de 15 anos Na hora eu pensei que tinha que colocar aquilo em uma novela, mas tinha que criar uma trama. Foi aí que eu criei a história da Daiane, em Senhora do Destino. As pessoas adoravam porque era uma historia verdadeira. Eu acho que o merchandising social, como o comercial, tem que ser muito bem inserido na trama senão fica ridículo.
O merchandising comercial atrapalha muito o autor? Tem um merchandising no primeiro capítulo de Fina Estampa. Não foi escrito para isso, é uma seqüência em que o personagem do Dalton Vigh vai buscar o carro de presente para a filha, o pneu fura e ele conhece a Griselda (Lilia Cabral). Isso era uma ação da novela, que quando os caras de uma montadora descobriram resolveram comprar. Mas nem vai parecer merchandising. É difícil você não deixar passar o ruído do merchandising, às vezes fica feio. Mas eu gosto pelo desafio. E pela grana, é claro. (Risos)
O que você pessoalmente não gosta em novelas? Eu odeio o “Quem matou”. Acho falta de imaginação. Quando o autor não tem mais nenhum recurso, usa o “Quem matou”. Eu odeio, mas o público continua embarcando. Ainda funciona. Agora a gente vai ver isso tudo de novo em O Astro. Esse é o “Quem matou” clássico. Tudo que foi feito depois nesse sentido foi pior que o original. Em Vale Tudo foi rápido. Foram apenas duas semanas de suspense. Não foi uma pergunta que se arrastou por seis meses para o público especular. As pessoas não levam mais a sério essa pergunta.
A Globo tirou do YouTube cenas de O Astro e Insensato Coração. Até que ponto isso pode de fato atrapalhar a audiência? Eu, por exemplo, estava assistindo no Youtube porque alguns capítulos estavam terminando muito tarde, depois de meia-noite. Pode ser que atrapalhe. Não sei dizer ao certo. Só sei que eu prefiro que as minhas novelas apareçam no maior número de lugares possível. Acredito na divulgação. Acho que ajuda a audiência. Acho o Youtube uma coisa sensacional. Mas a decisão é da emissora.
A audiência de O Astro depois das 23 horas abre uma janela para uma quarta novela. Existe público para todas? Acho ótimo esse horário. As grandes novelas das quais se falam até hoje como Gabriela, O Bem Amado e Saramandaia, eram às dez da noite. A Janete era a novelista das oito e o Dias Gomes e outros grandes autores da época eram das dez. O público está ávido por ficção. Ninguém quer ver sobre o peixe azul da Tasmânia nem um especial sobre o matador da Noruega. A maioria das pessoas chega do trabalho cansada, ficou presa no trânsito dentro de um ônibus e aí não quer ver mais realidade. Chega! Quando o cara finalmente chega em casa quer sonhar. A dramaturgia é o que faz as pessoas sonharem, relaxarem e pensarem um pouco também. Porque, afinal, a gente não é tão alienado assim.
A Globo já declarou que o horário das 23h é destinado aos remakes. O que fará se a Globo pedir para reescrever uma trama sua? Respondo que não. Remake eu não faço. Eu odeio. Eu tenho quinhentas mil historias para contar e não vou ficar reescrevendo o que eu já escrevi. Não faz sentido.
Em que Fina Estampa será semelhante e em que será diferente de suas últimas novelas? Será a minha volta ao novelão. Fina Estampa será mais parecida com as novelas do meu início de carreira. Será bem folhetim, com melodrama rasgado.
O que você pode adiantar da novela? Uma lição que eu aprendi com a Janete Clair foi: drama trama você não economiza. Você gasta tudo e depois inventa outras. Em Fina Estampa, a Griselda já fica rica no capitulo 40, depois disso começa uma outra novela. Eu não tenho essa história de ficar enrolando por seis meses e depois sair correndo para resolver tudo. Outra história que acho que vai chamar mais atenção é a da Ester, personagem da Julia Lemmertz. Ela é uma mulher que trabalhou a vida inteira e não teve filhos, até porque o marido (Dan Stulbach) não pode ter filhos. Então ela será uma barriga de aluguel. Mesmo não gerando um filho ela vai hospedar uma criança. Ela vai alimentar, doar todos os seus fluidos, essa criança vai sair dentro dela e ser criada por ela. Então a gente pode dizer essa criança não é filha dela? Isso vai causar uma discussão muito grande numa classe de telespectadores que é cada vez mais forte, as mulheres de 50 anos.
Suas últimas obras incluem na trama uma inversão das relações de poder, com a valorização de personagens que costumam frequentar apenas as tramas paralelas. Isso estará presente em Fina Estampa? Não sou o Manoel Carlos. Eu sou um autor popular, isso sempre aparecerá em minha obra. A Griselda é uma das mais populares que já escrevi. Nos primeiros capítulos ela aparecerá de macacão. A Lilia Cabral não usa sutiã em cena. Quando ela me disse isso eu adorei. É incrível ver uma atriz do quilate da Lilia se despir de vaidades para fazer um personagem seu.
Manoel Carlos não é um autor popular? Eu acho que as novelas do Manoel Carlos são sofisticadas demais para o nível do público atual. Houve uma evidente queda do nível intelectual do telespectador, não sei por quê. Talvez por ser hoje em dia tudo muito rápido, por falta de leitura. As novelas dele são muito bem escritas, os diálogos são adoráveis. Dá gosto de você ver, mas o grande público está ficando cada vez mais bolsa família, 50 reais e uma cerveja ali na esquina. E as novelas tem que se adaptar a isso. Descobrir um meio de ser mais popular sem perder qualidade. Ser popular sem ser popularesco é muito difícil. Pode parecer pretensioso, mas o segredo das minhas novelas são que elas parecem populares, mas são sofisticadíssimas.
No dia-a-dia você é uma pessoa popular? Eu sou uma pessoa normal. Outro dia eu peguei um ônibus. Estava parado no ponto e não passava táxi. Eu dei sinal e o ônibus parou. Quando eu entrei todos os olhares convergiram para o meu relógio (de ouro). Quando eu percebi, eu puxei a cigarra e desci no ponto seguinte antes que acontecesse uma tragédia e arrancassem minha munheca. Eu faço compras, vou ao supermercado, vou à padaria, vou ao açougue. No supermercado aqui do lado, as moças já me conhecem. As empacotadoras sempre me pediam para eu botar uma empacotadora em uma novela. Foi por isso que eu criei a personagem da Marjorie Estiano em Duas Caras. Até hoje quando eu entro lá as mulheres me aplaudem. Não foi uma empacotadora qualquer, foi a Marjorie Estiano.
O que mais o público quer ver na tevê, além de novelas? Ainda tem um público muito grande para os seriados. As emissoras brasileiras não vêm fazendo esse tipo de produto, mas devia fazer. É a linguagem do futuro, que vende no mundo inteiro. Se a Globo botasse um seriado entre a novela das nove e a das onze, o público ia ver. Mas seriado não são essas sitcom que as emissoras estão fazendo. Isso é ação entre amigos. Um ator, diretor e roteirista, que são amigos resolvem apresentar um projeto e aí a emissora topa. Mas não é seriado por causa disso. Seriado é Mad Man, Família Soprano, não é essa brincadeirinha que estão fazendo.
Créditos: Revista Veja.

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